sexta-feira, janeiro 11, 2008

"Isto Não Define Quem Sou" (Parte I)

O Pedro (102/84) faz parte do curso que eu designo como "as minhas crianças". Numa fotografia tirada no 1º ano, podem ver-se alguns dos "ratas": em cima, 35, 54, 105, 58, 102, 107, 34 e 114; em baixo, 38, 120, 30, 93, 138 e 94; ao fundo, sempre atrasado... ;-), o 22.


A sua postura de "contestatário" ("cedo aprendi a pensar sozinho, a questionar dogmas e a opor-me abertamente a certas carneiradas do curso") e o destaque que tinha - era o aluno mais medalhado do curso - valeram-lhe um lugar no Comando ("3 estrelas"), um "exílio" comum, ao longo dos anos, a muitos outros alunos com as mesmas características, umas vezes por iniciativa dos próprios ("não me chateiem"), outras por iniciativa dos seus cursos ("não nos chateies").

Depois de sair do Colégio, passou pelo curso de Medicina, mas acabou por mudar para Biologia, a sua verdadeira paixão. "Como a qualidade do curso na Faculdade de Ciências não me entusiasmou, segui viagem para a Escócia, onde estive 3 anos, até terminar o curso. Depois de um curto regresso a Portugal, fui fazer o mestrado ao Imperial College, em Londres, e iniciei o doutoramento na Califórnia, mas senti-me muito longe de tudo e todos e ao fim de três meses regressei a Portugal para assumir a direcção do negócio da família, um lar de idosos. E é isso que faço há 5 anos. Entretanto conheci o meu companheiro, com quem vivo".

O Pedro concordou em falar sobre um aspecto da sua vida privada, mas teve o cuidado de fazer uma ressalva: "isto não define quem sou".

"[A consciência da diferença] surgiu com a puberdade, no terceiro ano, enquanto estava na segunda. [...] Foi bastante automático perceber que havia algo de 'errado' com o que eu estava a sentir, mas durante muito tempo iludi-me a pensar que era uma fase absolutamente natural [...] - afinal, até tinha lido sobre isso.... Mas senti-me logo diferente e comecei a ter muito cuidado com o que dizia ou expressava. Seria um cuidado que viria a dominar por completo o meu percurso no Colégio".

Mais do que uma análise psicológica e/ou social sobre o que fazia ou não sentido que fossem as regras de uma instituição como o Colégio, era importante que se percebesse quais eram as regras da instituição (as escritas e as não escritas), que se estivesse de acordo com as mesmas, e que estas se cumprissem. Sempre que as regras estabelecidas não eram cumpridas, havia lugar a uma penalização, e havia regras cuja penalização era a saída. Discutir se as regras eram justas ou não, e se eram aplicadas da forma correcta, levaria certamente a análises profundas, que não estão no âmbito deste "post".

"[O contacto com as regras da instituição] aconteceu logo no primeiro ano. Tinha havido um caso de expulsão de alunos da Terceira [...]. O CB veio à Primeira, muito no início, e explicou que o caso tinha chegado aos jornais e que alguns alunos tinham feito o impensável ou eram o impensável. Explicou-nos que no Colégio esses comportamentos eram inaceitáveis e que a expulsão era o único caminho possível para quem se atrevesse a cruzar essa linha".

Apesar de não ter "cruzado a linha", o Pedro estava convencido (e provavelmente com razão) de que o simples facto de assumir a diferença seria fatal para a sua permanência no Colégio. "Vivia em estado de alerta permanente. Sabia que tinha que ser extremamente regrado e controlado, nunca discutir o assunto. Lembro-me de uma manhã um camarada vir ter comigo, estava eu no quarto ano, na Terceira, e dizer que eu tinha falado durante a noite. Fiquei absolutamente em pânico e não descansei até, com calma, perceber exactamente o que tinha dito. Mas vivia também com tranquilidade: penso que me habituei ao 'medo', se assim se pode chamar".

"[Como graduado,] houve um caso com uns putos da Primeira que me marcou profundamente e 'esfregou' a minha diferença na cara. As discussões em reuniões de curso foram-me muito, muito duras. Primeiro porque, cobardemente, não pude assumir a diferença - nessa altura já não havia qualquer dúvida na minha cabeça, eu sabia que nome tinha o que eu sentia - e isso custou-me muito. Segundo, por ver e ouvir os preconceitos e desumanidade de um número substancial dos meus camaradas. Não deixei de lutar pelo que achava certo, mas perdi. Foi um momento marcante, e percebi exactamente o tipo de preconceito que tinha que enfrentar na minha vida. Decidi, nessa altura, que queria acabar o Colégio, mas que daí em diante, no resto da minha vida, nunca mais me acobardaria por causa de ser quem sou. Escusado será dizer que faço cedências diariamente... Mas, no essencial, tento respeitar a minha decisão de então".

Continua em "Isto Não Define Quem Sou" (Parte II).

1 comentário:

Anónimo disse...

Aqui está uma postura colegial muito sensível e que cá fora, pelo menos na moral dominante, já não seria tolerada.

Aplaudo a coragem e a luta, mas temos que enquadrar a situação num ambiente muito específico como é o Colégio.

A Casa que nos formou funciona em regime de internato, tendo princípios e imagem de rigidez e conservadorismo que ainda não se coadunam com determinadas realidades.

Acredito que dentro de alguns anos, a diferença será aceite verdadeiramente, sem quaisquer preconceitos e juízos de censura. Mas tal ainda não acontece, e sabemos todos nós que o Colégio é ainda mais resistente aos "ventos de mudança" que a sua envolvente social.

Defendo que o Colégio tem o direito de poder escolher o tipo de alunos que pretende educar, sendo-lhe legítimo vedar a entrada a uns, ou impedir a continuidade de outros. Tal como não permite a entrada de um aluno com miopia grave, é-lhe legítimo fazer este outro tipo de selecção.

Isto é o modelo que preconizo para o Colégio. No entanto, e o que pode parecer um pouco incoerente, defendo a igualdade de oportunidades das minorias, mas não esquecendo nunca que não podemos pretender tratar de forma igual o que é desigual.

É esta opção do Colégio, que julgo totalmente legítima e até acertada face ao contexto cultural e social.

Pelo testemunho corajoso e por ter levantado uma questão que vai muito além daquilo que são as banalidades da rotina colegial, o meu reconhecimento ao Pedro.

Espero ver reflectida na II Parte do texto a sua opinião relativamente a esta discriminação colegial. Mas repito, trata-se de uma discriminação justa e que considero, até, correcta e acertada.

Um abraço.